Dossiê do Vereador
Paolla Miguel (PT)
Por Guilherme Nakamura
Começamos uma série analisando o perfil da Câmara dos Vereadores de Campinas na legislatura 2021 – 2024. Dentre as várias formas possíveis de se fazer este estudo, escolhemos fazer uma análise dos projetos de lei (PLs) de cada um dos 33 legisladores da cidade. Embora a vereança tenha atribuições além da discussão de novas leis, cremos que esse foco fornece vários dados iniciais sobre o perfil dos parlamentares e a qualidade do trabalho da Câmara. Em primeiro lugar, leis são difíceis de serem aprovadas ou revogadas. Um PL é uma marca que um vereador gostaria de deixar na cidade, refletindo assim seu posicionamento ideológico e as corporações com que ele interage na cidade. Por outro lado, a qualidade dos projetos aprovados mostra como o Legislativo se organiza em Campinas, quais pautas passam ou não, quem tem poder decisório na Câmara, entre outras questões sobre os representantes dessa legislatura.
Nossa série se inicia com uma vereadora bastante ativa na redação de PLs: Paolla Miguel (PT). Paolla se apresenta como “a 1ª vereadora LGBTQIAPN+ de Campinas, líder da bancada do PT Campinas e dirigente do PT nacional”. Paolla nasceu e cresceu na periferia da cidade, onde foi eleita vereadora em 2020 com 2728 votos, sendo a mais jovem a assumir o mandato em 2021. Apesar de ter 32 anos, Paolla tem uma longa história no Partido dos Trabalhadores, ao qual ela é filiada desde os 16 anos. Seu primeiro grande papel foi a Secretária da Juventude do PT de Campinas em 2017. Ela é uma das apostas de renovação do partido, ocupando o cargo de dirigente nacional do PT desde 2019. Paolla entrou no pleito de 2022 como candidata a deputada estadual, mas não obteve votação suficiente para ser eleita.
Formada em Engenharia de Computação pela PUC, ela é naturalmente parte das alas do partido mais relacionadas com as universidades. Sua interlocução com o governo federal envolve um projeto ambicioso para Campinas: a construção de uma Universidade Federal na cidade, a ser localizada em Barão Geraldo. Também é membro permanente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara Municipal, onde teve oportunidade de interagir com diversos institutos de pesquisa, universidades e empresas de tecnologia em Campinas. Infelizmente, a sua formação de engenheira raramente aumentou a qualidade técnica nessas discussões.
A atuação de Paolla reflete uma guinada ideológica no ramo acadêmico do PT, algo inevitável para recuperar espaço nos setores mais jovens da esquerda. O PT dos anos 1990 e começo dos anos 2000 apresentava uma forte retórica contra o neoliberalismo, a globalização e o imperialismo norte-americano. O PT seguia a tradição latino-americana de atribuir aos EUA uma interferência geopolítica definidora (e nociva) sobre os países da América Central e do Sul. Independentemente dos méritos dessas teses como todo, elas tiveram que ser revistas no caso da globalização, visto que ela se tornou inevitável diante do avanço da tecnologia de informação. Negá-la é estar desconectado da internet. Os EUA também mudaram seu foco internacional para o Oriente Médio, tornando aquela região a mais fácil de se associar a um discurso antiamericano. As esquerdas brasileiras mais jovens tinham de buscar outros discursos para permanecer na sua retórica de diferenciação entre oprimidos e opressores.
Curiosamente, a esquerda brasileira jovem se renovou abraçando pautas originadas de teses feitas na Ivy League e financiadas por big techs globais: a cultura woke. É difícil encontrar uma definição precisa das pautas desse movimento e o histrionismo de alguns de seus críticos às vezes dificulta uma oposição competente contra ela. Podemos começar a descrevê-la com fatos aceitos por todos: a cultura woke enfatiza identidades coletivas baseadas em gênero, raça, orientação sexual e, mais recentemente, transexualidade. Em décadas anteriores, tais pautas tinham como palavras-chaves “tolerância”, “igualdade” ou “aceitação”. Embora elas ainda apareçam como moderadoras de discurso, notamos que o leitmotiv dos movimentos identitários atual é “orgulho”. O objetivo é fazer políticas de Estado que reforcem essas identidades, por vezes criando dispêndios extras ou passando por cima de consensos científicos.
Paolla é uma legisladora woke bastante ativa em Campinas. Seus projetos relacionados à identidade sexual incluem o Programa TransCidadania (PLO 138/21), o Dia do Orgulho LGBTQIAPN+ (PLO 167/23) e a Política municipal de saúde integral a LGBTQIAPN+ (PLO 176/23). Apesar de não ser do PSOL, ela também é autora do projeto de lei para instituir o Dia Marielle Franco (PLO 224/21). Os projetos relacionados à raça às vezes são inofensivos, como a afixação de cartazes em estabelecimentos da cidade indicando penas para a prática de racismo (PLO 349/21). Outras vezes são curiosas, como o Programa Campinas DNA Africa (PLO 348/21), que propõe fornecer exames de DNA para mapear geneticamente a população a fim de diferenciar campineiros que tiveram ancestrais escravos. Podemos dizer coisas similares da pauta feminista. Alguns são de difícil oposição, mas efetividade duvidosa (por exemplo, a fixação de cartazes em estabelecimentos públicos contando direitos dados a mulheres que sofreram abuso sexual, PLO 79/21). Outros, são exóticos e seguem modismos da militância feminista como o “Programa Municipal para Erradicação da Pobreza Menstrual em Campinas” (PLO 146/21).
Os projetos de lei de Paolla mais associados à cultura woke não foram aprovados em Campinas, e o futuro deles é incerto. Por um lado, ela forma o pensamento dominante nas áreas de humanidades das universidades, nas redações jornalísticas e nos gestores de recursos humanos. Uma recente vitória dessa ideologia na cidade foi a aprovação da chamada cota trans, segundo o qual a Unicamp irá reservar 5% de suas vagas para transexuais. Por outro lado, o wokismo tem um caráter divisivo e autocontraditório que aliena a grande maioria da população a troco de um suposto aumento de representatividade de minorias. A Guerra Israel-Hamas fornece um exemplo. O Hamas não tem nenhum respeito à pauta LGBTQIAPN+, muito ao contrário. Entretanto, no xadrez geopolítico visto pela esquerda brasileira, Israel é o representante dos EUA no Oriente Médio e o Hamas representa os oprimidos. Paolla recentemente participou de um ato com apoiadores do Hamas, terroristas que estupraram e assassinaram centenas de mulheres em um só ato contra Israel.
O que prevalecerá no balanço entre o domínio da esquerda nas instituições validadoras de conhecimento e a repulsa popular causada por essas ideias? O futuro político de Paolla depende da resposta à essa pergunta. Por enquanto, ela é uma das grandes representantes do progressismo made in USA na cidade, e deve ser monitorada como tal.